31 maio 2008

Gafe clássica ao contrário

Foram nove incríveis dias! Durante nove dias, 24 horas por cada um, partilhei uma vida diferente com 80 alunos. Experiências que jamais esquecerei.
Naquele dia, tinha acabado de conseguir a proeza de, quase sem verter uma lágrima, enfrentar perante a criançada os meus medos de alturas. E apetecia-me gritar, de horror, de alegria, de orgulho. Consegui ascender a 3000 metros de altitude num teleférico que corta vales e montanhas. Ali estava eu, no pico de onde, pela primeira vez, se observou o sol.
O telefone tocou." Nem imaginas onde estou. 3000 metros de altitude! E consegui fazê-los de teleférico."."Bravo, minha querida. Tenho saudades tuas,blá, blá...".
No dia seguinte, nova chamada:
- Parabéns! ouvi do outro lado da linha.
- Não é preciso tanto! Não esperavas que eu morresse numa viagem de teleférico!
- Não... não é bem isso. Faz hoje 13 anos que estamos juntos.
Não sei se comece a tomar QI sénior ou se reformule os meus graus de exigência para com os outros. Talvez os dois...

30 maio 2008

Parabéns a nós



Mil seiscentas e cinco postas, múltiplas que entram e ficam, outras que vão para repouso termal, alguns jantares memoráveis, zangas e gargalhadas e lágrimas e disparates, chávenas de chá e lápis azuis, leitoras e leitores que nos acompanham desancam ou riem connosco (ou de nós?), um movimento cívico único na blogosfera, momentos de esclarecimento ao estimável público,tudo isto começou há dois anos.

Ele canta nos meus phones

E eu faço um plágio descarado, sem vergonha, completa e absolutamente despudorado:

Já sei, não se usa, mas tu para mim mesmo homem és musa.
Sérgio Godinho

29 maio 2008

A brincar, ainda

E agora eu era terrorista e passava os meus dias e noites mergulhada nas páginas que me ensinavam a fabricar a bomba com que iria conseguir o que até agora me foi impossível, despedaçar-te em dezenas de pequenos bocados, o olho esquerdo, a mão direita, o sorriso fácil, pedaços perdidos no chão que eu hei-de apanhar com uma paciência de coleccionista, os tornozelos magros, o olhar míope, o silêncio afiado, pedaços perdidos que eu vou estudar com dedicação religiosa, a barriga ainda lisa, as palavras que nunca me disseste, pedaços perdidos com os quais vou ensaiando outros tus, o canto da boca, a barriga da perna, a sombra oblíqua, até conseguir encontrar a combinação perfeita que nunca encontrei em ti.

Pitágoras não sabe nadar

Esta imagem já deve ter dado 6 voltas completas ao mundo pelas caixas de email. Ontem veio parar à minha, precisamente na semana das avaliações de trabalhos, exames e afins dos meus alunos. O calibre dos disparates que tenho encontrado é em tudo semelhante a este, tirando a criatividade e pensamento divergente louvável que demonstra. Como dizia o Indy, "X" never, ever marks the spot. Pelo menos nas salas de aula.

Made in Açores



Outra clássica:
- "tens carta?!?! mas há carros lá??"
- "Há, mas como o espaço é pouco, num dia saem as matriculas pares, no outro as ímpares".

E havia tanto mais para dizer sobre isto....

Era mesmo isto que precisava para animar esta manhã idiota!

Autoritária? Muito bem!
De esquerda? AHAHAAHAAHAHAHAHAAHAHAHAH!!

Experimentem.

dificuldades educacionais III

Coincidir no mesmo gosto em sapatos de homem.

28 maio 2008

Grrrelatividade

Na semana passada visitei o American Museum of Natural History, na esperança de poder rever os esqueletos dos dinossauros que continuam a fazer as delícias dos crescidos, ao mesmo tempo que inspiram o mais profundo dos terrores às criancinhas que por eles são arrastadas por meio de ossadas fossilizadas dez vezes maiores que eles e vários milhões de anos mais antigas.

Em frente ao esqueleto completo de um T-Rex estava um homem, sózinho, de mãos entrelaçadas atrás das costas, e com um ar profundamente infeliz.
Ao seu pescoço estava pendurado um cartão que dizia 'John Doe, Ph. D.' AMNH Staff- Ask Me!', e dele depreendi que seria um cientista que, em vez de ter partido em busca de uma nova espécie enterrada há séculos no deserto de Gobi, ou similar, passava os seus dias enfiado numa sala de museu, rodeado de ossos e a sorrir a visitantes desconhecidos, na esperança de captar a sua atenção e de poder exibir todo o conhecimento acumulado ao longo de vários e árduos anos de estudo.

Reparando que tinha algo na mão, perguntei-lhe de que se tratava. 'Uma garra de T-Rex fossilizada', respondeu. 'Posso segurar?', perguntei. 'Yeah, sure!'. E enquanto virava e revirava o objecto, por meio de sorrisos apatetados e efusivos, mas respeitosamente silenciosos, 'UAUS!' ele lá me foi explicando que a garra era revestida de queratina, que caia com uma grande periodcidade para ser logo substituida por outra nova, etc, etc, etc, informação que eu ia registando, acenando com a cabeça e proferindo uns, 'is that so?', 'really?', 'oh, right!', cheios de interesse genuino.

Se ao menos 'John Doe Ph.D' soubesse a enorme alegria que me deu...

Conversa de duas múltiplas, hoje e quase todos os dias

- Gostei tanto da tua posta sobre a velhice.
- Não fui eu.
- Não foste tu? Foste foste, reconheci logo o teu estilo.
- Não fui não, eu sei o que escrevo ou não escrevo.
- Maldita multiplicidade, acho que estou a ficar esquizofrénica.

Prece de uma ateia

Senhor ou senhora que estais no céu, na terra, no ar ou no meio das águas, ajudai-me nesta hora difícil em que peco contra mim mesma, não por fornicio nem para dar um filho para o teu serviço mas por puro vicio. Maldigo a hora em que digitei no google "mah jong" e me saiu um site em que tudo é free, on line 24 horas por dia o jogo que mais me agarra, me consome, me faz dizer este vou ganhar, onde é que está o 4, o 4, boa, mais um, de certeza que vou ganhar, merda não ganhei, desta é que é, começou bem, a pedra de cima já foi, mais duas flores, agora o velhinho, que raiva, não ganhei outra vez, só mais um, agora é que vai ser. A excitação, o nervoso, a ânsia de ganhar e de ser cada vez mais rápida, as estratégias que invento para sentir que controlo o jogo, não consigo parar, o são só 10 minutos transforma-se em 20, numa hora, em duas, já passaram quase três horas e o trabalho à minha espera, e o prazo a apertar, ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, dai-me uma qualquer penitência ou indulgência ou até sonolência que me tire esta febre, esta ânsia por conseguir encontrar duas pedras iguais, umas após outras até que todas desapareçam. Amén.

27 maio 2008

Olhóóópenisfresquinhoooo

Para que não digam que só nos preocupamos com as mulheres, aqui vai um truque que uma amiga que tem uma amiga que tem outra amiga que conhece uma profissional do sexo, me contou: Sexo oral com Halls preto. Todo um must para o êxtase masculino! Sim, porque ou alguma coisa me (nos) falhou, ou este acessório, à venda em qualquer quiosque perto de si, não tem perspectiva de género; é francamente desaconselhada a sua utilização para o prazer feminino, sob o risco de se terminar a festa por ardores nas partes baixas. Mas não faz mal, perdoa-se-lhe a falta de perspectiva ao sentir o prazer do companheiro de amores...

PS: Os mais curiosos, podem desler aqui sobre a história deste acessório.

O Tozé

O Tozé tem ar de bom tipo. Cheira a cerveja e a cigarros entranhados de tal forma que, mesmo que não fume ou beba cerveja, é a isto a que cheira sempre. E a uma mistura de betão e cimento e terra. Aparece sempre com a farda de trabalho e traz outra, a de saída, com a qual vai embora, sempre, todo janota.

O Tozé tem ar de boa pessoa, curiosa. Olha para as instalações eléctricas com amor genuíno e percebe-se que, se o seu percurso tivesse sido outro, estaria muito bem na vida. Como eletricista ou como outra coisa qualquer, porque os seus talentos são vários. Outro dia perguntei-lhe a sua profissão: 'pintor'. 'E onde aprendeste isto tudo?'. 'Com o meu pai'.

O Tozé não perdeu a alegria de viver. Olha para as árvores e vê-se que estas despertam-lhe emoções várias: 'cuidado, não a apanhes por aí que ela pode ressentir-se e não crescer mais'. Ensina-me receitas de chá e como eles podem ser bebidos em 'verde'. Escrutina o meu quintal e vamos, os dois, entusiasmando-nos com o que vemos. Colhemos plantas várias e divido-as em parte iguais (menos os espinafres, o Tozé sabe como fazer sopa de espinafres selvagens, eu mantenho-me mais fiel aquele que vem embalado de uma qualquer superfície comercial). Emociona-se com um canteiro bonito de flores, e eu viro a cara para não que não veja as lágrimas rasas. Minhas.

O Tozé é um tagarelas e repete-se muito. Acontece que também se esquece muitas vezes. Para ele, não existem impossibilidades e tudo é fazível. O seu optimismo é de tal forma contagiante, que perdemos a noção do tempo, a trabalhar

O Tozé bebe café e jeropiga de manhã, toma metadona à hora do almoço, come pouca coisa à hora do almoço, bebe umas cervejas no final do dia, como se de uma celebração se tratasse. Depois vai para casa, onde mora com a mãe, num dos bairros periféricos da cidade. Imagino que a mãe o mime tanto como ele mima a filha, a avaliar pelos telefonemas que recebe todos os dias e que - indiscretamente - lhe ouvi: 'estou meu amor', 'sim minha querida', 'adeus minha vida'. A filha mora longe e estuda Psicologia Forense.

Feliz por ter conhecido o Tozé.
Feliz por me ter dito que 'só voltava atrás se houvesse um terramoto de 1755'.
Feliz por ter vencido o estigma que me fazia estigmatizar pessoas como o Tozé.

Acredito no Tozé. Acredito nas segundas oportunidades. E acredito em terceiras, até.

26 maio 2008

Noticias do mundo

No Dubai, Emirados Árabes Unidos o chefe da Policia está preocupado com o aumento de travestis nos sitios públicos e garante que vai tomar sérias medidas para resolver este "problema" que atenta contra os valores da sociedade árabe. Além disso, pede que ao Ministério dos Assuntos Sociais que se faça um estudo sobre este fenómeno, mas adianta que segundo ele, uma das principais razões é o ensino misto. Se não tiver mais nada que fazer, leia aqui a noticia, para ver como os travestis (também) são discriminados no outro lado do mundo.
Além disso, ficámos também a saber que desde o Dubai não se pode aceder a este blog pois está censurado. Se o blogger sabe disto, estamos tramadas...

10

Faz hoje 10 anos que aconteceu. Que começou o fim do meu mundo. Quando será que finalmente acaba para ir para o pé de si e o mundo ser nosso outra vez?...

25 maio 2008

Expressões finas III

Com licença, tenho a tartaruga a beijar a cueca...

23 maio 2008

O que está na cabeça deles

A questão foi levantada por Susannah Breslin, uma escritora, fotógrafa, jornalista freelancer. Que organizou também outro com depoimentos das prostitutas elas mesmas. Não há nada como uma jornalista para ver os dois lados da questão.


aos pragmáticos
Every time I go to a brothel, it gets a little bit more fun, also. The freedom I enjoy, the challenge of finding a whore I connect well with and can enjoy the act with, rather than it just be someone who's there because she has to be.

aos que se sentem culpados

O essencial é invisível aos olhos - caso prático




"No verão quente de 93, quando alguns jogadores saíram para o Sporting eu fiquei. Para mim não era uma questão de dinheiro [...]



Iria ganhar 120 mil contos por ano no Sporting, no Benfica pagavam-me 25 mil contos, tinha os salários em atraso, 21 anos, vivia na Damaia e estava para casar. [...]



Quando voltei para o Benfica assinei um contrato em branco, disse ao presidente para preencher a parte relativa ao meu salário. Apenas fiz uma exigência:ter o meu número 10 nas costas! [...]



Bom, já vi que não vao descansar, vou fazer a conta - nunca a fiz. Palavra de honra que nunca a fiz! (pausa, enquanto faz a conta no telemóvel). O salário que o Benfica me pagou era 12.5% do que o que eu ganhava no Milão"


Rui Costa, em entrevista à Unica, 17 de Maio de 2008.

Bogotá em imagens





Não é fácil tirar fotografias em Bogotá. Não é normal ver turistas a tirar fotografias como em Lisboa ou em Barcelona e há muita desconfiança, as pessoas não gostam que lhes tirem fotografias pois pensam logo que se está a fazer inteligência para algum dos grupos armados. Quando a policia ou os seguranças nos viam, ameaçavam-nos dizendo que não podíamos tirar fotografias porque estava proibido (na Colômbia está institucionalizado um Estado de Sitio por causa da guerra, perdão do conflito armado interno). Assim sendo, estas são algumas das fotos possíveis da cidade, principalmente da zona centro. Da zona norte, a parte rica que faz lembrar a Noruega não tirei nenhuma pois havia policia e seguranças a cada dois por três.

Contradições e (in)coerências

Fui finalmente tratar da malfadada cédula para poder terminar a matricula que tinha ficado suspensa até à apresentação deste documento. Aproveitei para recordar que aqui, em cada sitio onde se trata de algum papel há sempre toda uma infra-estrutura de apoio que rapidamente se monta através da capacidade de rebusque e improvisação das pessoas, externas e privadas, o que faz com que os serviços públicos funcionem razoavelmente bem. Por exemplo, na ciclovia que já tinha falado outro dia, há toda uma série de homens e mulheres que vendem os serviços mais variados e úteis para as pessoas que desfrutam a ciclovia. O sitio onde se tira a cédula de estrangeria fica ao pé de um dos sitios onde os colombianos tiram o seu passaporte, e encontrei todo este suporte humano que facilita o acto de ir tirar um passaporte ou uma cédula: encontram-se imenso sítios ou barraquinhas improvisadas para tirar fotografias, fotocópias, duplicados de tudo, traduções oficiais prontas em menos de 15 minutos, e venda de fruta, amendoins, café e telefonemas para telefone fixo ou móvel por 200 pesos o minuto, enquanto se espera que o número do mostrador coincida com o do papel que temos na nossa mão. É estranho, pois ao mesmo tempo que defendo as ASAES, e o controlo e regulação dos negócios e das condições laborais, e que reconheço a sua importância, também fico contente por encontrar sítios no nosso planeta onde ainda se permita a improvisação no espaço público, sem tanto controlo, sem tantas burocracias intermédias, apoiando a iniciativa das pessoas e dando mais vida à cidade. Tenho opiniões desencontradas, uma ambivalência entre o considerar que as coisas numa cidade devem ser organizadas, regulamentadas e o sentir simpatia e admiração pelas iniciativas improvisadas, desreguladas mas com uma estranha autoorganização que funciona e é eficaz dentro dessas lógicas. Ainda bem que eu não sou presidenta da Câmara desta cidade, assim posso ter contradições sem ter que pensar em como ser coerente.

22 maio 2008

Missão cumprida

Finalmente cheguei depois de horas e horas num banco apertado de avião com um tipo ao lado que cheirava a cholé. Depois de duas semanas sem tempo nem condições para o email, pois a casa dos meus amigos só tinha uma conexão por telefone que caía cada 30 segundos, aproveito agora a chegada para contar que já sou mestra em Mulher, Género e Desenvolvimento e que a minha tese teve a nota de 4.5 (numa escala de 1 a 5)!
Venho feliz, muito feliz pela tese e pela alegria do reencontro com os amigos e amigas, com Bogotá. Foram 15 dias com muitas conversas e muitas gargalhadas entre amigos, até venho mais magra dos abdominais que fiz de tanto rir.

Nos próximos dias, nos intervalos do novo trabalho, irei postando algumas das notas que fui escrevendo e será também apresentada a indispensável prestação de contas às pessoas contribuintes que fizeram possível esta viagem. Mais uma vez, muitissimo obrigada!

21 maio 2008

Corpus Christi

Hoje, dia 22 de Maio, não se trabalha, alguns sortudos podem até fazer ponte, todos estão contentes!
Entre os preparativos para os vários programas do dia, ou no enfado dos mesmos, alguém há-de ler este post e dizer:"então é por isso?!..." Sim, é por isto: hoje não se trabalha por ser dia Santo, no sentido de Santo para a Igreja Católica.
Hoje celebra-se "a presença real do "Cristo todo" no pão consagrado. A Festa de Corpus Christi foi instituída pelo Papa Urbano IV com a Bula ‘Transiturus’ de 11 de agosto de 1264, para ser celebrada na quinta-feira após a Festa da Santíssima Trindade, que acontece no domingo depois de Pentecostes". Não precisam agradecer.

20 maio 2008

dificuldades educacionais II

Continuar a achar um homem interessante depois de almoçar à mesma mesa.

19 maio 2008

A taquicardia da felicidade

Uma cidade violeta. Um arco-íris a anunciar o reencontro de um irmão. Outra irmã e uma família. Um jantar e um vinho da melhor colheita. Uma conversa (quase) sem fim. Três cabeças juntas, tão juntas que - quase - ouço o bater dos nossos corações, ao mesmo ritmo. Os nosso olhos cruzam-se e vemos o mesmo: nós, os que partiram e os que ficaram. Rimos, conversamos até as forças se esgotarem. Despedimo-nos. Com a felicidade a bater, a transbordar, dentro do peito.

Fe-TUM-li-TUM-ci-TUM-da-TUM-de.

TUM.

Todo o estádio a cantar

imagem aqui
E este ano a proeza repetiu-se. Sim, porque o ano passado também foi assim.

E hoje já não sei se era só todo o estádio a cantar: a mim pareceu-me que era eu e a cidade em peso.

VIVÓ SPORTING!

18 maio 2008

Medusa do dia


Foto: Toru Hanai/Reuters

Lembram-se desta série? Hoje, no site do publico encontrei esta foto com estes estranhos seres que tanto me fascinam. Tem por título Tocar a leveza (uma rapariga tenta tocar uma medusa-de-lua (Aurelia aurita) no Aquário Internacional Sunshine, em Tóquio, no Japão.

Mo chuisle

Foste o meu treinador, mostraste-me que tudo era possível desde que me entregasse. Confiei-te tudo, dei-te tudo. Sem ti aquele eu não tinha existido.

Foste o pulsar do meu coração, até ao dia em que desististe.



O murro do meu treinador é mais poderoso que o de qualquer adversário.

Um dia eu escrevo um post

Hoje é o dia.

Ora vejam lá

O Hélder Silva está a acabar a licenciatura em Informática de Gestão, e não achou nada melhor que fazer o projecto final de curso sobre blogs. A sua ideia, integrada num projecto global de investigação do Instituto Superior Miguel Torga, é estudar a influência dos blogs na notoriedade de outros meios online, sejam informativos, culturais ou comerciais.

Vai daí o Hélder pediu ajuda, para saber literalmente quem vai daqui.


Ora vejam (ah ah), ora vejam (eh eh), Ora vejam , Sorte como estas não há (ai pois não).

17 maio 2008

Valores

"Those who profess to favour freedom, and yet depreciate agitation, are men who want rain without thunder and lightning."

Frederick Douglass (1818-1895), abolicionista norte-americano

16 maio 2008

Dificuldade educacional

Mandar à merda um mal educado de forma bem educada.

Não quero ser velha

Não por causa das rugas ou das pilancas abanado ao compasso do Parkinson. Não por causa dos vestidos fora de moda e do cheiro a velho, que não sei porquê aparece no ar e ali fica, por mais perfumes ou janelas abertas. Não por causa da conta da farmácia ou de ter de tomar um comprimido de cada vez por causa da dentadura que não me deixa abrir a boca normalmente. Não por causa da morte ficar mais próxima. Acho que não tenho medo da morte. Pelo menos por enquanto.
Não quero ser velha porque não quero que a Joaquina da mercearia - a única que ainda me vai falando - ponha aquele tom agudo e estridente com que diz à D. Maria "deixe lá, não se apoquente, e agora vá descasar um bocadito, ande lá." Não quero que presumam que eu tive uma vida boa ou má, que sou surda, que preciso descansar ou que não me sinto humilhada quanto me tiram os trocos da carteira para pagar a conta porque já não vejo bem ou já não sei o que é o valor das coisas. Não quero que presumam que eu não sei que, quando sair, vão murmurar entre fregueses "coitadita... ", talvez até pensando nos seus próprios velhos mas esquecendo-os à saída.
Não quero obrigar-me a passar horas no café pelo triste consolo de, pelo menos, ver gente. Não quero a displicência e a arrogância de falarem comigo e de mim como não sendo mais do que um corpo encarquilhado que, um dia, já albergou uma pessoa. Como se, de facto, eu já não existisse mais. Como se já não tivesse o direito a pensar ou a sentir ou a apreciar uma companhia verdadeira, amorosa. Como se já não sonhasse ou pudesse ter outros desejos que não o de deixar de ser incontinente ou o de não cair desamparada na rua. Não deve haver forma pior de solidão.

15 maio 2008

Sons de um dia em Bogotá

Acordei antes das sete da manhã, arrumei a cozinha da casa dos meus amigos onde estou hospedada, fiz sumo de maracujá com a fruta que tínhamos comprado em abundância no mercado 7 de Agosto e que congelámos para fazer sumos fresquinhos (os meus amigos dizem a toda a gente que devem ser os únicos em Bogotá a ter uma escrava europeia) e pus-me a trabalhar na defesa da tese. Ouvi as pessoas nas casas vizinhas a fazerem a sua vida, a falarem umas com as outras, a ouvirem a rádio com as noticias, debates e opiniões do dia.
Pelas onze subimos a montanha em direcção ao Bairro El Paraiso, um bairro modesto mas com umas vistas lindas para a cidade, onde vive um nosso amigo pintor, Jenero Kintana. Pelo rádio do táxi ouvimos as noticias do dia, ditas por um senhor com uma voz muito formal e enrrrolaDA que informava, em tom pausado mas dramático, das mortes de uma mulher devido aos ciúmes do marido, de um acidente de viação escabroso e outras mortes passionais e não políticas. Vimos as pinturas e esculturas fantásticas que ele anda a preparar para uma exposição que vai ter em França em Setembro (aproveitaremos para levá-lo a Portugal e a Barcelona, se os deuses e as deusas quiserem) almoçámos, conversamos da vida do país e de Apartadó, onde o actual presidente da câmara, abalançado desequilibradamente para o lado dos paramilitares, teve de reconstruir e re inaugurar uma ponte muito importante para a região que ele próprio tinha ajudado a destruir no tempo em que foi guerrilheiro, conversamos sobre os filhos, actualizamo-nos, rimos e saímos todos felizes pelo encontro. Durante todo o tempo que estivemos na casa de Jenaro, esteve ligada a rádio Universidad Nacional 98.5, com música clássica, jazz e música contemporânea.
A rádio aqui é uma presença constante na vida quotidiana, e isso se reflecte em Barcelona, onde o número de rádios latinas aumentou muitíssimo devido as emigrantes latinos, pois é um dos serviços que consomem e que produzem. Em Bogotá há rádios que são excelentes companhias, especialmente para quem trabalha em casa, para estudar, escrever, pintar. Passam música do mundo inteiro, jazz, música clássica, salsa, vallenatos, de tudo.
À tarde voltei à preparação da defesa da tese, agora com a rádio javeriana stereo 91.9 , e ouvi com um estranho prazer maria bethania, marisa monte, arnaldo antunes (toda a gente tem que não ter cabimento para crescer) cantarem nas ondas deste lado do atlântico. Às 6 da tarde em ponto interromperam a programação para passar o hino nacional e estava a dar Winton Marsalis quando chegou o meu amigo Leonardo para irmos visitar uns amigos que recentemente começaram a ser pai e mãe de uma nova habitante deste planeta, Guadalupe. Na conversa com os amigos voltámos à discussão sobre o estado do país, sobre o estado de desespero em que se vive, o autoritarismo do presidente, o número de mortes de sindicalistas a aumentarem depois da marcha do 6 de março (considerada pelo governo como antinacional), o desejo de sair da Colômbia e ter uma vida mais tranquila e mais possível, e ao mesmo tempo o sentir a herança psicológica de país a que se pertence, o peso na consciência de se sentir a abandonar um país que precisa de todos os seus habitantes para sair da situação terrível em que se encontra. Surge muitas vezes a pergunta, estarei a ser egoísta, pouco comprometido com Colômbia se quero ser feliz fora daqui? Contámo-nos da vida, de bogotá, de barcelona, dos filhos e dos pais, debatemos as fraldas de pano e a poluição terrível que causam as outras, mas o práticas que são, discutimos cocós e como limpá-los da melhor maneira. Também aí, a rádio teve ligada todo o tempo, primeiro com salsa e depois com chill out.
No regresso a casa, ouvimos Cassia Heller, unplugged mtv, no leitor do carro do Leo enquanto nos actualizávamos dos amigos e amigas comuns. Já em casa, pus o Busy Man do Carlinhos Brown com a Marisa Monte 10 vezes seguidas e ouvi e ajudei o Luis Carlos a pensar em voz alta sobre o que ele queria fazer agora que regressou de Toronto, e que está a recomeçar a sua vida nesta cidade.

14 maio 2008

Sinal vermelho

Em Bogotá é possível resolver meia vida de cada vez que se pára no sinal vermelho . Pode-se comprar cds para aprender inglês, estão por todas as ruas e avenidas, parece que Bogotá em peso vai iniciar a aprendizagem do inglês, ou filmes de todos os géneros e no idioma original, sem dobragens. Vendem-se sacos de plástico para lixo, fruta para levar ou para comer já, gomas, rebuçados, cigarros a vulso, qualquer dos jornais diários, livros, desde os romances mais recentes à constituição ou ao código civil, ou livros de auto-ajuda e autoconhecimento. Pode-se também aproveitar para lavar os vidros do carro ou até o carro inteiro, pois aqui os limpiadores trabalham sozinhos ou em grupo conforme a necessidade, e desfruta-se do espectáculo que o grupo de malabaristas ginastas preparou especialmente para estes segundos da vida de um sinal vermelho.

13 maio 2008

Regresso ao lado de cá

Finalmente cheguei, horas e horas passadas à ponta de filmes pois não tinha ponta de sono, apesar de não ter dormido. Encontro de novo o aeroporto, o controlo de malas ao qual sempre me escapei, graças a uma sorte que me acompanhava no momento de passar as malas carregadas de bacalhau, paios, chouriços, queijos e ovos moles. Depois dos abraços dos amigos, o táxi e o seu controlo para evitar sequestros aos recém chegados, o trânsito intenso, caótico, a poluição que entra asperamente nas fossas nasais, os milhares de autocarros que cruzam ágeis e descontroladamente as ruas da cidade e as montanhas, as belas montanhas que sempre se deixam ver quando nos movemos pela cidade. No norte da cidade as montanhas são pouco povoadas e muito verdes, pujantes, viçosas. No sul, a parte pobre da cidade (até aqui se reproduzem as desigualdades norte-sul), concentram-se os bairros que recebem os milhares e milhares de pessoas que escapam à guerra que assola o campo e as cidades mais pequenas, na sua grande maioria deslocados internos.
Nesses bairros do sul, as montanhas são desertos povoados de imensas construções precárias, feitas com desperdícios, muitas sem água potável nem luz, e com muito, muito mesmo, controlo dos grupos ilegais urbanos, em geral, paramilitares. Nesses bairros, as raparigas são levadas pela noite para se prostituirem e os rapazes são recrutados para vender droga. Contraditoriamente, estes grupos matam quem for apanhado a consumir droga, isso é para o norte da cidade , o sul não, no sul só se vende. Nesses bairros os grupos ensinam os jovens, em particular os rapazes, para aprenderem a mexer em armas, a matar, a desvalorizar continuamente a vida humana e para sentir o sabor do dinheiro fácil e de uma masculinidade construida através da violência. Nestes bairros é perigoso para uma mulher viver sozinha, pois muito mais facilmente podem entrar os senhores dos paramilitares a violarem-na ou a recrutá-la para prostituição sem direito a negação ou a objecção de consciência, e a violência sobre as mulheres continua a ser assumida como um direito dos varões. Nestes bairros, as crianças andam com as chaves de casa penduradas ao peito pois os pais, mães, tios, tias, qualquer que já tenha um mínimo de força vão trabalhar de manhã à noite para sustentar o centro ou norte da cidade, e as crianças acostumam-se a ficar sozinhas e cuidarem-se entre si. São tremendamente áridas estas montanhas de Ciudad Bolivar e Altos de Cazucá, mas é nessa aridez que muitas organizações sociais vão abrindo caminho através dos seus projectos sociais que pretendem apoiar as pessoas que aí vivem para que tenham outros modelos de convivência e de vida cidadã. Montam projectos culturais, projectos productivos com homens e mulheres, apoiam as crianças através da ocupação dos tempos livres e de apoio escolar, do desenvolvimento de espaços lúdicos e criativos, de teatro, de outras formas de viver a vida de uma forma diferente da violência, do maltratato do desrespeito pela vida e pela pessoa. Coloream com este trabalho duro as montanhas do sul.
Estou de novo em Bogotá com todas as minhas ambivalências alborotadas pelos contrastes deste país. Já cheguei mas ainda não aterrizei em mim.

Zé V.

Era do contra e era irrequieto, sedento de vida, de muita vida. Vulgarmente, designamos este tipo de pessoas por 'força da natureza'. E era mesmo. Cego desde a infância, não se deixou ficar e saíu da ilha onde morava rumo ao continente. Foi aqui que aprendeu piano e psicologia. E onde fez mais (do que) um séquito de amigos. Tantos que não cabiam no quarto de hospital onde não o fui visitar.

O morreu ontem. Aturdida com a notícia desde o momento em que a soube, lembrei-me de uma noite de consoada que passámos. Sós, os dois. E o que nos divertimos!

Eu demoro a chorar. As minhas palavras são rudes.
Zé!
(como foste capaz...)
Zé...

12 maio 2008

À abordagem

A menina desculpe eu ter ficado a olhar, mas parecia mesmo uma pessoa que eu conheço, mas agora de perto vejo que não é, pensei que fosse a filha de uns amigos meus, deve ter a sua idade, ela tem 33 e a menina?, ah 36 não parece nada, é assim as falsas magras e de pele clara parecem sempre mais novas, uma mulher de 36 que seja morena e mais para o forte parece quase sua mãe, mas estava eu a dizer que é mesmo parecida com essa minha amiga, a menina faz anos deixe-me cá adivinhar, em junho? eu sabia, eu acertei, vi logo que era um signo de ar, eu sou leão, sou fogo, mas preciso de ar para viver, há uma amiga minha que eu adoro que é de quatro do seis, eu preciso do ar dela e ela do meu fogo, as minhas primas já sabem que eu tenho esta paixão pela astrologia e estão sempre a ligar-me «ó antónio, quando é que podes fazer a minha carta?», se a menina quisesse eu também podia fazer a sua, eu logo vi que a menina era bonita por dentro e por fora e dava tudo para fazer o seu mapa astral, perco-me horas nos canhangulos a olhar para os transitos dos planetas, vamos trocar os números de telemóvel e combinamos isso mesmo, oh que pena não me querer dar o seu número então fique com o meu e liga-me quando quiser, tem a certeza que não quer?, isto termo-nos cruzado hoje foi o destino, é difícil que volte a acontecer mas se a menina não quer trocar os números de telefone que posso eu fazer, muitas felicidades para si e que a vida lhe dê tudo o que quer.

personalidade múltipla

"Sofria de dupla personalidade.

Por sorte eram as duas iguais."

Ele é quase como nós!!

1934 - 2008

in Humor Antigo.

Studio 60 on the Sunset Strip


Sem dúvida uma das minhas séries preferidas. Humor inteligente, muito rápido e, sobretudo, cortante. Cancelada ao fim da primeira temporada. Uma pena.

Não percebo como é que a "Anatomia de Grey" (eu gosto de ver o Dr. Sheppard mas nem ele vale na estafadíssima 4.ª série) ou "My name is Earl" (um disparate absolutamente mediano com um tipo sebento) continuam e continuam e continuam e o Studio 60 foi ao ar.

Ainda tinha esperança que tivesse sido por causa da greve dos guionistas, mas não. A história completa aqui.

Poesia para uma segunda-feira

Cântico Negro, de José Régio, declamado por João Vilaret.

11 maio 2008

Estações


Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.

(...)

Falemos de casas. É verão, outono,
nome profuso entre as paisagens inclinadas.
Traziam o sal, os construtores
da alma, comportavam em si
restituidores deslumbramentos em presença da suspensão
de animais e estrelas,
imaginavam bem a pureza com homens e mulheres
ao lado uns dos outros, sorrindo enigmaticamente,
tocando uns nos outros –
comovidos, difíceis, dadivosos,
ardendo devagar.

(...)

Falemos de casas, da morte. Casas são rosas
Para cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança
Nos abandona para sempre.
Casas são rios diuturnos, nocturnos rios
Celestes que fulguram lentamente
Até uma baía fria – que talvez não exista,
como uma secreta eternidade.

Falemos de casas como quem fala da sua alma,
Entre um incêndio,
Junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza.

Herberto Helder

09 maio 2008

telegrama

Cheguei bem. Estou cansada, feliz e alapardada. Bogotà è um delicioso caos, tinha saudades. Em brevo escrevo, nao tenho internet na casa onde estou. Muitos beijos.

08 maio 2008

Blues all around my head

A face do mediatismo sempre me espantou. Bem, mentira, não é bem um espanto porque como costuma dizer um amigo, já são muitos anos a virar frangos nesta terra, mas é de facto, ainda, tenho pena de dizer, uma constatação feita de olhos meio arregalados. Quando digo isto estou, neste caso, a pensar em todas as “viagens” musicais que percorri e neste ou naquele fenómeno a que assisti que me deu, por assim dizer, a volta ao estômago. Um deles é o fenómeno do intérprete, guitarrista e compositor da música pop/soft rock“ e aclamado “rei do rock português”, também designado de “Bluesman”, Rui Veloso. Pois aqui há uns anos,para quem se lembrar, o Sr. BB King veio cá fazer um espectáculo ao Casino do Estoril e chamaram o nosso Rui Veloso para partilhar o palco com ele durante alguns temas. Ora, como sempre, a nossa produçao prefere o mediático ao realmente talentoso e com todo o devido respeito pelo talento do Rui Veloso como criador de canções, no que respeita ao blues, por mais jeito que também tenha e tem-no, não o tem suficiente para estar no mesmo palco que um BB King. No entanto, havia, naquela altura quem o tivesse e não era de todo um deconhecido do grande público, mas apenas não mediático. O nosso excelentíssimo músico guitarrista João Allain, co-fundador com Paulo Gonzo, da já extinta, blues band portuguesa (não confundir com boys band), Go Graal Blues Band, e que supostamente seria a escolha óbvia para se juntar a BB King naquele palco, ficou para trás, refém das nossas típicas e mesquinhas lutas de bastidores que, bem, como dizer, metem nojo. BB King não ficou contente nem descontente, não esperava ele outra coisa, Rui Veloso estava mais nervoso que um perú antes do Thanksgiving e parecia que tocava guitarra há dois meses, mas quem não percebia nada de blues, inclusive a produção do espectáculo e só tinha como pretensão mostrar um português ao lado dum monstro musical daqueles, disse que ele esteve muito bem. Até fizeram questão de passar a vergonha na televisão e tudo. Para quem não sabe ou não conhece, ou nunca ouviu ou só ouviu os “Jardins Proibidos” e o “Sei de cor”, Paulo Gonzo é também, e antes de tudo o mais, um exímio cantor e tocador de Harmónica Blues, tendo já acompanhado James Cotton num concerto do CCB, esse sim ficou espantado e contente, e também ele, claro está, teria feito melhor figura a acompanhar BB King naquele dia do que Rui Veloso. Ah mas espera, pois é, o Paulo Gonzo, naquele tempo ainda não cantava em português e por isso era como, deixa lá pensar num termo, uma espécie de desterrado musical. Coisas da mentalidade terceiro mundista ou mais provavelmente da atitude do “Deixa-me lamber-te o cú que eu gosto tanto”.

Enfim, esta treta de conversa toda só para me apressar a deixar-vos já aqui, para a posteridade, a apresentação de um grande bluesman português da nova geração, André “puto” Rodrigues, antes que outras histórias semelhantes à que acabei de vos contar, se continuem a repetir infinitamente.

Para quem gostar realmente de Blues e quiser perder três minutos a ouvir como o blues deve ser tocado, seja por um americano ou por um português, aqui fica o “puto”, André Rodrigues (guitarra e voz), a interpretar o standard, “Goin’ down”. Vá lá, carreguem nesse Play.

hoje também não quero ser eu

Esta múltipla naquele dia queria ser dentista. Hoje eu queria ser jardineira. Viver com seres que não falam. As rosas estavam ali e eu estava com elas. Limpava o canteiro, tirava os caracóis, podava, punha o adubo e dizia "hoje não estás muito animada... não pode ser..." E a rosa compreendia o meu cuidado, a minha preocupação e ficava mais viçosa. Só para mim! Só por mim! Que bom seria viver num mundo onde bastaria o som do meu coração.

07 maio 2008

Masurca Fogo + Pina + Lisboa

Não sendo representativa da peça, é uma frase coreográfica muito bonita e bem conseguida. Como todas as outras, aliás. E vivam os ensaios gerais que me permitiram assistir a uma obra maior de Pina Bausch, desta vez dedicada a Lisboa: Masurca Fogo.

Poderia acrescentar que está em cena nos próximos 7, 8 e 9 de Maio@CCB. Infelizmente, o espectáculo está esgotado para os 3 dias.

Mas Pina ama Lisboa. E Lisboa ama Pina. Certamente voltará. É caso para dizer: vale a Pina.

06 maio 2008

Barcelona-Bogotá-Barcelona

Amanhã parto e regresso ao mesmo tempo, depois de 3 anos de ausência e de uma saída decidida em menos de um mês, devido à doença da minha mãe. De novo, ando em dias agitados, de repente um tiro no escuro, que é devolvido em vários e amorosos ricochetes que se transformaram no MC-L7C, ou seja na possibilidade de poder partir e defender a minha tese de mestrado, e de devolver o trabalho que fiz às ONGs que estudei, pois acredito que os trabalhos académicos de investigação têm de ter um sentido prático e aplicável à vida, não podem ficar no abstraccionismo teórico nem ser produzido por académicos para serem lidos só por outros académicos. Mas além da defesa da tese, esta é também a possibilidade de rever, abraçar e conversar com os vários amigos e amigas que estão em Bogotá e isso é enorme presente do universo. Amigos com quem fiz muitas coisas nos quase 4 anos que vivi em Bogotá, com quem sonhei acordada sobre o mundo, os humanos, a nossa vida, a situação política e social da Colômbia. Amigos com quem nos metemos na aventura de alugar um edifício inteiro só para nós, uma coisa que sempre tinha sonhado e nunca tinha conseguido concretizar em Portugal. Amigos que acompanharam o meu casamento e o ajudaram a construir, pois foi todo um ritual colectivo. Amigos que acompanharam a minha gravidez e o nascimento e crescimento da minha filha. Amigos, simplesmente amigos e amigas, a minha maior riqueza nesta vida.

E como tudo parece que se dá ao mesmo tempo na minha vida, quando regresse deixarei de estar desempregada, pois também Barcelona me abriu os seus braços a dois dias da minha partida. É um sinal para que possa ir e saber que também já aqui encontrei um lugar. Atravessarei o oceano com os braços e o coração abertos e assim os manterei para quando cruze de novo o Atlântico e aterre no Mediterrâneo.
Tudo isto é possível graças ao MC-L7C. Um enorme obrigada às minhas múltiplas e a todas as pessoas que fizeram possível este pequeno grande movimento da vida quotidiana.

janeiro 2002 (parte 2)

Estes dias têm sido de fecho de ciclo, de despedidas de todas as pessoas que me marcaram a alma e a vida, de lágrimas e abraços pela separação que deixa tristeza por todas as alegrias e os bons momentos partilhados. Deixei, ou melhor trago comigo, muitos afectos de Urabá, muitas histórias e o mais importante, amigos e amigas. E como em todas as despedidas há sempre entrega de heranças ou recuerdos, fiz uma festa e distribui uma parte das minhas coisas pelos amigos. Ao Adolfo, o meu amigo motorista, ofereci o meu rádio gravador para que ele ouça música, que tanto gosta. Adolfo sempre vem a cantar vallenatos e canta tão bem, é uma alegria ouvi-lo e às vezes cantamos os dois.
(...)
Estes são dias muitos agitados, ando com uma adrenalina estranha, misturada com cansaço. Numa semana desmontámos a casa, fomos numa missão às comunidades de paz, por causa da morte de dois lideres muito importantes, um homem e uma mulher, chegámos, num recorde de 6 horas pusemos tudo num camião de bananas, ou não me fosse eu de Urabá, terra do monocultivo da banana e de Apartadó, que na língua indígena significa rio de plátano, empacamos as nossas malas e rumo a Bogotá, onde há que tratar do visto para o R. ir conhecer Portugal, e de todas as formalidades de terminar o emprego, de ficar emigrante em Colômbia, de estar no desemprego. Ontem fomos jantar e comemorar o nosso desemprego, para ambos o segundo. Hoje, 5 de janeiro, dia em que formalmente termino o meu contrato como voluntária do acnur, fomos ver, apaixonámo-nos e alugámos uma casa pequenina mas muito simpática, que fica em frente a um parque com árvores muito bonitas, perto da oficina do acnur em Bogotá, isso já não quer dizer nada mas é uma referência simbólica no meio de tanta incerteza. Amanhã vamos fazer a mudança de tudo o que trouxemos de Apartadó e depois outra vez fazer as malas e cruzar de avião o oceano, rumo a Portugal, depois de todas as vezes que já o cruzamos nas palavras e nas conversas. E sabemos que quando voltarmos vamos começar a cruzada de procurar emprego, e agora quero trabalhar no outro lado, já conheço as Nações Unidas, e gostei muito desta experiência, mas agora quero trabalhar no lado das ONGs, quero conhecer os vários lados de um mesmo trabalho. A vida não pára e eu sim quero parar agora, necessito descansar, é muito ritmo, passemos antes aos blues e ao new age.

E como o caminho se faz caminhando, uma redundância muito bem apanhada para nos lembrar que cada dia é um dia por si mesmo, agora o coração já está em Portugal, contente por poder rever e conhecer de novo todos os afectos que estão em Portugal, a família, os amigos, as ruas, as conversas, tudo o que estava quando estive e o que agora já não conheço e que perdi por não estar aí, é sempre inevitável a sensação de perda na vida de quem parte.
Por aqui me fico, que a ribeira vai cheia e o barco parado e eu quero ir já para esse lado.
Até muito breve o abraço.

1 de Janeiro de 2002 (parte 1)

Hoje fui com meu amor a Necocli tomar o primeiro banho do ano. Tomámos dois longos banhos no mar, é a sensação mais deliciosa da vida, tomar banhos de mar e ainda para mais em praias bonitas. Esta praia tem palmeiras ao largo de toda a praia que é uma extensão muito comprida de areia mas que tem apenas 40 metros de largura. Ao longo da praia há algumas casas não muitas juntas, apenas o suficiente para haver privacidade para cada uma, a maioria são sítios onde servem bebidas e comidas, caseiros, ou seja gente que faz a sua vida normal em casa mas que tem um frigorifico grande para poder vender bebidas. Um das casas é do Mandibuleiros del sol, un casal de hippies, com dois filhos pequenos, um deles chama-se Urabá del sol (lindo nome!). É um casal de argentinos artesãos, que vieram viver para aqui porque trabalham com cabaças de abóbora e ouviram falar de Urabá, que na língua nativa indígena significa terra da calabaza (abóbora). E por aqui ficaram, vendem o seu artesanato e tentam conseguir financiamento e executar projectos de educação ambiental, ou de promoção de convivência pacifica e redes de paz nas escolas de Necocli, que é uma das bases dos paramilitares em Urabá, pelo menos é o que toda a gente comenta e tem como certo, vivido e comprovado. Mesmo à saída encontra-se a supermegahiper herdade de um narcotraficante, Pablo Ochoa, que foi extraditado para os EUA, mas que deixou a quinta com alguns administradores e com a família que lhe vão orientando o negocio; são terras a perder de vista, com muito gado e com uma casa construída em madeira e completamente circular, exuberante, no meio de uma colina alta, com vista panorâmica. Necocli não pode crescer mais porque está limitada por essa quinta por um lado e pelo mar por outro.

No primeiro dia do ano toda a gente sai a passear aqui. Como as famílias são grandes, mete-se toda a gente num camiãozito ou camiãozote quando são os passeios de bairro, e o rádio alto a tocar vallenatos. É impressionante ver tanta gente junta, aqui existe um espirito comunitário na forma de viver , apesar de todo o individualismo utilizado como sobrevivência à causa da guerra interna. Muitas vezes encontramos familias onde há um pelo menos um irmão que na guerrilha, outro que é paramilitar e outro está no exército. E a mãe faz comida para os três, mas sempre a dizer que é melhor que se afastem porque é um perigo para todos. E é verdade, quantos mortos já contados porque diz que disse que andou metido com esses senhores. Aqui a gente comum diz muitas vezes os senhores da guerrilha ou os senhores dos paramilitares quando se referem aos grupos armados. Ao principio isto pareceu-me estranho porque o termo senhores, ao mesmo tempo que é distante, é também uma forma de respeito. Já quando se ouve os senhores do exército nas suas declarações aos jornalistas, vê-se que preferem diferenciar as coisas, o seu a seu dono. Para a guerrilha escolhem termos como bandidos, bandoleiros, e desde o 11 de setembro, passaram a chamá-los terroristas, e para os paramilitares simplesmente Autodefensas Unidas de Colômbia.

É impressionante como aqui toda a a gente conhece pessoas de um lado e do outro da guerra, ou dos mil e um lados que tem esta guerra, e não há praticamente nenhuma pessoa que não tenha na sua história de vida um episódio como vítima da violência, directamente ou/e através de um familiar. Até a mim me vai chegando a violência e todas as suas marcas, os medos, a tristeza que não encontra palavras para a morte de uma pessoa admirada ou próxima, um porque se enforcou, outro por que foi morto pela guerrilha, outro porque teve simplesmente que desaparecer.

Porque hoje é 6 de Maio :)



Everlasting Love, Jamie Cullum.

05 maio 2008

A propósito da Arte

Roubado ao Humor Antigo, que tem coisas verdadeiramente deliciosas.

Quanto maior o alto, maior o salto



Abomino arranha céus! Ler aqui a noticia sobre a construcção do maior arranha-céus do mundo e sobre a necessidade de ostentação.

04 maio 2008

Conferência de Imprensa - MC-L7C

É a abrir a caixa de comentários abaixo.

primeiro balanço

O Oito e Coisa faz hoje um primeiro balanço do MC-L7C. A meta monetária ainda não foi totalmente alcançada mas outras metas mais fortes se levantaram, gerou-se solidariedade entre os blogs, a quem deixamos um grande abraço, entre as múltiplas e entre alguns desconhecidos e desconhecidas que se juntaram, e deu-se a conhecer um pouco mais desse fascinante país que é a Colômbia e do qual só nos chegam noticias curtas e bombásticas.

Nos próximos dias sairá um post com a prestação de contas devidamente elaborada, e serão apresentados os respectivos comprovantes tal como foi o nosso compromisso, mas adiantamos já algumas coisas:

- Houve até ao momento, várias contribuições, desde os 5 aos 400 euros. Até ao momento foram recolhidos 1672.69 €. Agradecemos imensamente a todas as pessoas que participaram!

- O bilhete de avião Barcelona-Colômbia-Barcelona, com partida a dia 7 e regresso a dia 21 de Maio, custou 717.69 €. Aqui há que agradecer aos pais da múltipla que fizeram um esforço e pagaram o bilhete com o acordo de que a múltipla lhes dará metade quando estabilize a sua situação económica actual, pois deus é grande, deus é pai e mãe e a esperança é a última a morrer, valha-nos isso!

- A matrícula da Sete e Picos na Escola de Estudos de Género da Universidade Nacional da Colômbia custou cerca de 1100 €, o que inclui o preço da matricula e os gastos de envio de dinheiro pela Wester Union desde o Canadá, onde estava um amigo da nossa múltipla que lhe fez o favor de adiantar o dinheiro e o enviou para a Colômbia, onde outro amigo recebeu esse dinheiro e saiu a correr para pagar a matricula no último dia do prazo estabelecido. Tudo isto pois os bancos são lentos e não realizaram a tempo a transferencia que uma amiga da sete lhe tinha feito em Lisboa para que ela pudesse enviar o dinheiro ao amigo da Colômbia.

Dentro de breves momentos vai começar a conferência de imprensa, e, apesar das caixas de comentários estarem sempre abertas para que coloquem qualquer observação, pergunta, piadola, comentário, análise ou desvario que quiserem, sempre com respeito e boa onda é claro, aproveitem para fazerem as perguntas que quiserem sobre o MC-L7C.

03 maio 2008

Tudo isto é arte, sim ou não?

Quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio feitos por uma orquestra. Trinta minutos de um corpo de bailarino parado em pé. Cento e vinte páginas em branco de um romance imperdível. Um prato cheio de nada com a última receita de um grande chefe. Uma tela em cru. Uma peça de teatro com vinte actores a olharem o público durante uma hora. Um quarto muito desarrumado exibido numa galeria.

02 maio 2008

novembro 2000 (parte 2)

Mas enfim, mudemos de assunto. Passemos a tomada de decisões neste país de realismo mágico. O ACNUR e uma ONG que trabalha connosco, OL, tem um convénio com a Registradoria Nacional para registrarem e documentarem as pessoas desplazadas. Aqui a falta de documentos de identificação, o nosso bilhete de identidade, é um dos principais problemas entre os desplazados, pois pelo isolamento geográfico dos sítios onde vivem não têm a cultura do papel que lhes diz que pertencem a um Estado que não existe, ou porque durante o desplazamento ninguém se lembra de levar a identificação pessoal. Bem, o que é certo, é que não ter papéis equivale a ser guerrilheiro e, consequentemente, a ser suspeito, além de impedir o acesso a bens e serviços do Estado. Continuando, estava marcada para esta semana uma campanha de documentação e registro por toda a zona do rio Atrato e das Comunidades de Paz. O que é certo é que eu ontem resolvi ir com o Adolfo, o meu motorista e amigo, a uma “bruxa” daqui que lê o café. E sem que eu lhe dissesse nada, a senhora pergunta-me se não trabalha comigo uma mulher assim e assim que tem uma viagem marcada para breve. Digo-lhe que sim e ela pede-me para lhe dizer que adie a viagem porque vê demasiados perigos no caminho (o demasiado quer dizer mais do que aquilo que já é normal). Claro que saí dali e fui logo a correr contar à minha amiga que ia viajar. Ela fala com o chefe dela e este, depois de pensar um pouco, pede-lhe o nome completo e a data de nascimento. E depois de consultada uma outra assesora, esta com experiência em búzios, confirmou-se tudo, a viagem está demasiado perigosa, é melhor adiar. E sem pensar duas vezes, depois de tantas evidências científicas, claro está que resolvemos adiar a campanha de documentação e registro. É certo que a situação por aqui anda mais tensa e que havia sempre coisas que iam adiando a viagem, ora eram os formatos de registro que não chegavam, ou os rolos de fotografia que vinham trocados, mas a gota de água foi mesmo os relatórios das nossas consultoras espíritas. Mesmo com todas as gargalhadas que já demos à conta das consultoras, ninguém tem dúvidas. É melhor não arriscar... E de facto, a senhora Beatriz do tinto (que é como aqui chamam ao café) disse-me coisas que eu fiquei de boca aberta. E para que eu não pensasse que ela estava a mentir, fazia-me olhar pela lupa para as borras do café. “Tá ver, ali está o homem de mal génio que apareceu no seu caminho, tá a vê-lo?” E disse-me que tinha muy buena suerte, e que não me ia acontecer nada. Enfim, cenas malucas mas que não são para desconsiderar.
E assim se vai levando o dia a dia em que sempre vão acontecendo coisas para dar colorido à vida. Ainda outro dia caiu uma árvore em cima do nosso carro. O pobre Adolfo, que nessa semana já tinha avariado a fotocopiadora por a ter ligado a uma corrente de 220V em vez de 110, ia a passar na estrada quando lhe cai uma árvore enorme em cima do carro, que pôs o tecto completamente em U. Ainda bem que não lhe passou nada, mas suspeito que foi a partir daí que ele ficou a conhecer a senhora Beatriz do tinto, que agora já tem pelo menos mais 5 clientes assíduas.
E termino como o presidente Andrés Pastrana no final das suas declarações ao país:
Que dios vos bendiga y que dios me bendiga!

Aviso Conferência de imprensa MC-L7C

As múltiplas do OitoeCoisa, em especial a Sete e Picos que queremos levar à Colômbia, estarão em modo Conferência de Imprensa este domingo, dia 4, a partir das 21h30.

Abriremos um post e estaremos todas online e ligadas ao blog para responder a questões na caixa de comentários do respectivo. Se ninguém quiser esclarecimentos, diremos uns disparates umas às outras, coisa a que estamos habituadas mas normalmente ao vivo.

Se quiserem ler algumas das peripécias da nossa sete que levaram à feitura da tese que agora queremos ver defendida é ler isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto, isto e isto.

O movimento cívico- levem a sete à colômbia começou com um tiro no escuro. Provamos que o escuro não tem de ser vazio.

novembro 2000 (parte 1)

Enilda é uma amiga minha de Apartadó, tem apenas 21 anos mas tem uma capacidade discursiva de quem já passou há muito dos trinta. O pai de Enilda era dono de uma série de bananeiras e sempre viveu em Apartadó. Como todos os donos de quintas bananeiras na zona, foi várias vezes ameaçado pelas guerrilhas, teve de pagar as célebres vacinas, foi raptado e por fim foi morto. Enilda conta-me que uma vez, entrou um homem em casa dela, conhecido da família, pôs uma arma em cima da mesa, um maço avultado de notas, e disse: Dom Pedro, entregaram-me isto para que o matasse. E vim dizer-lhe que eu não consigo, mas que a sua vida corre perigo. Se não for eu, vai ser outro, por isso vá-se daqui e não volte. E o pai de Enilda respondeu: Eu daqui não saio. Que me matem.
Enilda conta tudo isto com a calma de quem lembra coisas que pertencem apenas ao passado. Uma vez, já depois de o seu pai ter sido morto, estava ela a trabalhar num projecto de assistência alimentaria a guerrilheiros que foram reinsertados na vida civil, homens e mulheres em muito más condições físicas, quando viu que um dos homens a quem estava ela a distribuir alimentos era, nada mais nada menos, que um dos raptores do seu pai. Chegou a casa aflita e revoltada, contou o caso à mãe que simplesmente lhe disse: O passado já passou, filha minha, esse homem agora necessita da tua ajuda. Não guardes rancores e faz o teu trabalho o melhor que possas.
A mim impressionou-me as voltas que a vida obriga a dar, a confrontar com os fantasmas do passado e a aprender a deixá-los onde eles pertencem. E também a alegria que tem Enilda pela vida e pelo seu trabalho com vítimas de uma violência que ela também sofreu, e como se sente comprometida com o seu país, com a herança de país que lhe tocou, mas que ela não rejeita, aceita simplesmente. E contou-me tudo isto e mais ainda, com a calma e a certeza de que o passado se deve guardar em sitio visível para não ser esquecido.
Aqui a memória é muito importante na vida das pessoas que de repente perderam tudo à luz da violência que faz parte da vida do país. Quase todos os grupos de desplazados de Urabá, pedem ao governo e às ONGs que lhes financiem monumentos para a sua memória histórica, para lembrar os que não podem ser esquecidos, os mortos que cada comunidade pôs durante o seu processo de vida e de paz.
Mas cada pessoa tem a sua própria história para contar. Todas as pessoas que trabalham connosco directamente, deixaram mortos no caminho. Marley, a secretária, é órfã da violência. O seu pai foi morto por um dos grupos armados e recentemente, outro tio também foi morto sem se saber porquê. Ubaldina, a senhora que nos limpa a casa, é uma viuva da violência. Nos anos negros de Urabá, em 93 e 94, os habitantes de um bairro não podiam cruzar para outro sem terem um licença especial dos grupos armados desse bairro e nunca depois das 6 da tarde. O seu marido era vendedor e no dia em que cruzou a fronteira proibida, deixou esta vida e deixou-a com dois filhos, um dos quais ainda por nascer. Adolfo, o motorista, sofreu a morte de 3 dos seus irmãos, um dos quais sindicalista, também pelos grupos armados.
Agora os anos negros passaram a cinzento claro e o medo continua e as mortes também, mas toda a gente diz que estamos em paz, ou melhor, numa calma tensa. Aqui vivemos rodeados de armas por todos os lados. Legais e ilegais. Ainda outro dia, quando ia de carro para Turbo, vi um paramilitar em plena estrada, sentado com a tranquilidade de quem sabe que controla um determinado território impunemente. Qualquer evento que se faça na cidade, político ou cultural, tem de ter escolta da policia e do exército. Antes de sair para qualquer lado é sempre preciso avisar a policia e o exército e averiguar se se pode ir ou não. Eu da minha parte, já sei o manual de segurança das Nações Unidas todo de cor e salteado. O medo e a prevenção já fazem parte do quotidiano, tanto que já nem dou por eles. Mas o grande medo, dos nacionais e dos internacionais, continua a ser o sequestro.
E a propósito só para concluir a história da última circular, em relação aos deputados sequestrados. Íamos na parte em que os paramilitares tinham sequestrado a 6 deputados para pressionar o governo a não negociar a troca de guerrilheiros por soldados. Agora, a guerrilha congela o processo de paz e acusa os 6 deputados de se autosequestrarem para chamarem as atenções e boicotarem o processo de paz. Na altura em que estiveram a ler isto já vão estar novamente desactualizados, pois aqui todos os dias há novos acontecimentos. Mas neste momento, todos os grupos se prepararam para continuarem a mostrar que são os mais fortes militarmente, para então sim, poderem negociar. É caso para perguntar: Defina negociar...

Hoje não quero ser eu

Hoje não quero ser eu, hoje não caibo em mim, hoje não tenho um lugar para mim neste mundo que comemora o dia do trabalhador. Hoje não quero ser mãe, não quero ser companheira, não quero ser filha. Hoje quero não ser, não estar, não existir. Devia pegar em mim, destruir-me e colar-me toda outra vez, numa nova vida, numa nova profissão, numa nova mentalidade, gostar de dinheiro, do poder, do sucesso, do luxo e do conforto, cagar para os males do mundo e reinventar-me em médica dentista como o meu pai sempre me disse. Passava o dia a dizer, abra a boquinha, um bocadinho mais, não vai doer, e monologava sobre as minhas férias à Índia e ao Nepal, comentando o exotismo daqueles povos tão estranhos e misteriosos e dizia, mas isso sim, não há nada como o nosso bacalhau, lá isso não, pronto pode bochechar, a minha secretária diz-lhe quanto é e marca-lhe a consulta para dentro de 15 dias, adeus, passe bem. Quando acabava o trabalho, ligava à babysitter do meu telemóvel bluetooth para que cuidasse os miúdos e ia no meu Audi jantar ao japonês mais caro da cidade. No final, passava por uma loja gourmet, via as novas colecções primavera verão e comprava mais um modelinho para o meu guarda-fato já a abarrotar e depois ia tomar um copo com amigos que discutiam inteligentemente os problemas do mundo sem nunca terem saído das suas vidas confortáveis, dizia mal do Sócrates e da política nacional e internacional, desdenhava o mundo e os utópicos, ria-me dos idealistas que se dizem de esquerda e encontrava defeitos em tudo para sentir-me ainda mais confortável com a minha vida. Era assim que eu devia ser aquela que não sou.

01 maio 2008

março 2001 (parte 3)

O Estado foi durante muitos anos um dos principais autores de atentados aos direitos humanos. Outro dia perguntava ao meu motorista, Adolfo, numa das muitas longas viagens que fazemos só os dois e onde vou eu a conduzir e ele ao meu lado a conversar, se notava mudanças positivas na Colômbia nos últimos anos. Ele respondeu que sim, sem dúvida, antes o exército era tão ou mais bárbaro que a guerrilha ou os paramilitares, matava, torturava, fazia desaparecer pessoas. Agora, desde que se começou a internacionalizar o conflito na Colômbia, que veio a ONU e outras organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, o governo de Colômbia começou a ter interesse na ajuda exterior, tanto europeia como dos Estados Unidos. O exército começou a receber formação em direitos humanos, a ter que responder a acusações, a ver pessoal seu ser demitido e, como parte de um governo democrático que quer ser credível para a comunidade internacional, foi obrigado a mudar a sua imagem institucional. Por isso deixa o trabalho sujo para os paramilitares. De todos modos, segundo Adolfo, o chamado povo ou população civil, conforme os contextos, continua a não confiar no Exército mas sempre é menos um a quem ter medo.

Também é verdade que o exército está a fazer um esforço grande para mudar a má imagem que tinha. Fazem campanhas de convivência com a população. Em Barrancabermeja, contam várias mulheres desplazadas que aí vivem, organizaram um circo em que todos os domingos convidam a pequenada a ir vê-los a fazer de palhaços, malabaristas, actores de variedades, cantores de vallenatos e de rancheras. E por detrás do chapitô, vão conversando amigavelmente com as crianças, mostrando as suas armas, perguntando se as conhecem, se já viram alguma parecida a algum familiar, e discretamente “onde fica mesmo a casa do teu tio?”. Na linguagem militar o nome técnico é “estratégias de aproximação aos cidadãos”.

Mas no meio de tudo, há momentos de alívio e de alegria. Foram libertados cerca de 300 soldados e policias, que estavam há mais de três anos sequestrados pela guerrilha em troca de guerrilheiros em condições graves de saúde. Como podem imaginar foram momentos de pura felicidade para as famílias e para toda a gente. Também 3 das 7 pessoas vítimas de um sequestro colectivo, modalidade bastante apreciada pelos grupos ilegais, conseguiram escapar porque o carro dos seus raptores se avariou e estes resolveram deixá-los seguir, para não correram o risco de ser descobertos.

E por aqui me fico, que isto anda como as cerejas, uma leva à outra. Pelo menos já quebrei o silêncio dos últimos meses em que a falta de tempo e o excesso de amor, que nunca é demais, não me permitiram ir anotando estes petits faits divers da vida em Colômbia. Eu sempre digo em todas as cartas que a Colômbia tem muito mais que violência e corrupção, é um país absolutamente fascinante de se conhecer e de ir conhecendo, com gente muito interessante e comprometida socialmente, mas sempre me saem mais as aberrações que as coisas positivas. Deve ser por andar muy humana.
Um abraço

Pele macia em troca de floresta indonésia




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